Afrofuturismo, tecnologia e ancestralidade

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Afrofuturismo

O conceito de Afrofuturismo nasceu em meio a tensões. Se popularmente se sabe que depressão é excesso de passado, ansiedade é excesso de futuro. Ansiedade em relação ao futuro tem sido uma tendência muito presente nas sociedades pós Maafa. Podemos dizer que a essência afrikana é a presença de espírito, é estar aqui, querendo estar aqui. Então, me parece bem legítimo que nossa expressão artística e política esteja canalizando nossos anseios de existência diante do conflito pela imposição do meio.

O Afrikano sabe o passado, e sente, de fato, o presente. As culturas que ritualizam a travessia dos mundos só podem ter a melhor relação com o presente, pois esse presente se torna consequência do exercício vivo do passado, até quase se confundirem. Não aliena a própria presença, e essa é uma das fontes da fertilidade dos povos pretos.

Se falarmos mais de nossa fertilidade no mundo, costumamos listar a música, a dança, a ciência espiritual, etc. Elementos fundamentais sem os quais o Afrofuturismo jamais poderia ser manifesto, justamente por expressarem anseios, cargas, saldos em atualização. São tanto plataforma como destinos de expressão da cosmogonia. São método, objetivo, propósito. São uma coisa, mas também são outra. Tudo junto e misturado.

Um entendimento pouco mais descritivo do Afrofuturismo seria esse de habitar o intervalo entre o anseio do peito preto até pouco antes da materialidade se tornar manifesta. Então, o que seria a essência afrikana, que contempla e legitima esse movimento como afrikano, é a correspondência.

Esse processo que tá dentro desse intervalo de anseio e materialização, que outra palavra melhor para nomeá-lo do que tecnologia? Essa que une “anseio do peito preto” e sua manifestação, precedida por uma tensão? Ao meu ver, é uma tecnologia espiritual de canalização, de escuta ancestral, de trânsito entre dois mundos, como se os criadores fossem buscar respostas em lugares fora do trivial. Fora da prática ordinária, sendo a prática ordinária a que empurra a busca para fora dela. Do seio da contradição mesmo.

A resposta da tecnologia espiritual precisa ser buscada fora, justamente porque já está a muito tempo dentro. Precisa ser buscada no Orum, ainda estando no Aiyé, justamente porque já está muito excedido no Aiyé. A natureza do afrikano é estar em trânsito. Não é estar isolado entre vivos. Definitivamente, também não é ser um vivo que só vive entre os antepassados, entre os mortos. Os próprios mortos não vivem apenas entre os mortos, por isso está errado acreditarmos que nós vivos devemos estar vivendo todo o tempo em apenas em um dos lados. O natural é o trânsito.

Por diversas vezes, a mente tenta ir sozinha, ou mesmo o corpo. Quando a mente vai sozinha, o ocidente costuma chamar de alucinação. Quando o corpo vai sozinho, ou melhor, primeiro, não tem jeito, ele arrasta a mente junto, e faz o que chamamos por aí de incorporação. São travessias, necessidades intrínsecas do espírito.

Texto de Rodjéli Nyack Ra

 

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