Realidade é tudo aquilo que já existiu antes no peito de alguém. Se o afrikano construiu e reconstruiu o mundo algumas vezes, é porque ele tinha primeiro no peito, como anseio, o substrato daquilo que viria a se tornar uma nova realidade. Se o Yurugu destruiu o mundo algumas vezes é porque tinha a destruição no peito, então a realidade física deu um jeito de torná-la manifesta.
Só é urgente entender que quem está tendo acesso à construção de narrativas culturais pretas muitas vezes são pessoas que tem se afastado do paradigma afrikano, que estão cultivando anseios de outros povos.
Então temos a situação de que qualquer seminário de empreendedorismo com pretos e citações de tecnologia são vendidos como Afrofuturismo.
Basta pegar uma definição mequetrefe de Afrofuturismo. A Kalunga, o limite borrado entre Orun e Aiye, que tanto gera mal estar na brancolândia, é indefinida, mas para promover o tráfego das alegorias culturais pretas, não para alargar seus usos ao descaramento conveniente. Há então esse esvaziamento, em função de arrecadação financeira e controle da angústia de morte. Simplificações grosseiras para controle neurótico da borda. O movimento entre os mundos é suprimido com concreto.
Nesses casos a preocupação tem de ser muito menos da fantasia, ser verossímil ou exagerada, e muito mais da legitimidade dela. Da correspondência que ela expressa. Ela expressa qual paradigma de existência? Aquela que os povos pretos compartilham aos quatro cantos do mundo ou a do Vale do Silício, da política de cotas do Governo Brasileiro e da quantidade de protagonistas na novela?
O embate de anseios que resultará na forma de fantasia e ficção é o embate que precisamos prestar atenção. É ali que o Asè adquire a forma e direção cultural. A quem ela se corresponde.
Texto de Rodjéli Nyack Ra
Foto de reprodução da internet
Pan-Africanismo, Poder Preto e História Preta – John Henrik Clarke
Antologia Afrofuturista: Futuros Pretos Possíveis
Relacionado